A economia italiana é um assunto bastante delicado. E não é à toda que uma das coisas que me deixavam bastante indecisa em relação a minha mudança era, sem dúvida, como andava a economia da Itália. Este ano, o país da bota voltou de novo a ocupar as primeiras páginas dos jornais mundiais devido à crise da Covid-19.
O coronavírus chegou a causar a morte de mais de 30 mil vítimas só na Itália. Fábricas, comércio, grandes obras e investimentos ficaram paralisados por mais de dois meses, num período lembrado com uma grande sensação de medo e impotência diante de uma doença grave, perigosa, cujas consequências foram acompanhadas de perto pela imprensa mundial.
Tal momento histórico levou o país e o mundo a tomarem decisões drásticas, também do ponto de vista econômico.
Economia da Itália: crise de 2008 e do coronavírus
A Itália foi muito afetada pela crise financeira de 2008, levando a economia do país — e principalmente, os italianos — a situações incertas e instáveis. Desta forma, o país perdeu não só a capacidade de atrair investimento estrangeiro, como também não soube como potencializar a economia interna.
A crise de 2008 também trouxe graves consequências de instabilidade socio-política. E de fato, quando a crise do coronavírus chegou, a Itália ainda não tinha saído 100% da crise iniciada há 12 anos.
Como se sabe, a dívida pública italiana é uma das mais altas da Europa. Inclusive, muito da crise não superada se deu também por conta da instabilidade política, um verdadeiro marco italiano. Os dados nos dizem que pouco se avançou nesses mais de dez anos, seja do ponto de vista econômico, seja do ponto de vista social e político.
Sendo o primeiro país a ter que lidar com o coronavírus, a Itália não estava preparada para enfrentar uma epidemia dessa intensidade. Tal falta de preparação levou o país a tomar algumas medidas drásticas, como o fechamento total do comércio (com exceção de mercados e farmácias) e fechamento parcial das fábricas e grande indústria.
Deste modo, pode-se dizer que enquanto em 2008 houve uma recessão econômica mundial, em consequência do número excessivo de empréstimos de crédito de risco, a atual crise tem repercussão direta no consumo, uma vez que houve pouca produção, em todos os setores. Deste modo, a economia da Itália encontra-se, mais uma vez, vulnerável.
A economia da Itália no pós-pandemia
Os economistas preveem uma contração econômica não somente na Itália, mas sim em toda a Eurozona. O Fundo Monetário Internacional estima que o PIB da Itália, país mais afetado pela Covid-19 na Europa, seja de -12,8% em 2020.
O relatório da Eurostat mostra uma queda de 12,4% quando comparado com o trimestre anterior, e de – 17,3% quando comparado com o mesmo período do ano passado.
Além disso, a Comissão Europeia afirma que a economia italiana dará sinais de melhora somente a partir do terceiro trimestre de 2020. Todavida, acredita-se que dívida pública italiana chegue a 166,1% em 2020. Isso comprometerá toda a economia da Itália no geral, dificultando assim, a manutenção dos programas de bem-estar social e, até mesmo, a criação de novos empregos.
Recentemente, a União Europeia aprovou o fundo de reconstrução da economia pós-coronavírus, no qual beneficiará os países mais afetados, como a Itália e Espanha.
O PIB e a economia italiana
Muito didaticamente, o PIB nada mais é do que a soma de todos os serviços e bens produzidos por um país (ou estado, região, etc.), durante um período especifico (trimestre, semestre, ano).
Antes da crise do coronavírus, o Produto Interno Bruto italiano tinha um crescimento médio de 0,3% ao ano. A previsão do PIB italiano em 2019 foi de 0,6% inferior à previsão do Ministero dell’Economia e delle Finanze: ficou em 1,6%, contra os 2,2% definidos como meta no ano anterior. Isso significa que os italianos consumiram pouco, ganharam pouco e o país, em modo geral, produziu pouco. E claro, tudo isso tem um impacto decisivo na economia da Itália.
Outro dado não indiferente é a relação entre a dívida pública italiana e o PIB, que em 2019 chegou a 134,8%. Em poucas palavras, esse valor significa que a Itália deve aos investidores, União Europeia e outros órgãos credores, tudo mais 34,8% de toda a riqueza que produziu no ano de 2019.
Além do mais, acredita-se que a dívida pública italiana cresça cerca de 35% devido à pouca atividade industrial e comercial dos últimos meses, resultado do lockdown geral imposto pelo governo italiano. A Itália viveu duras restrições em relação ao comércio e logo o consumo diminuiu, o que levou a economia da Itália a uma profunda estagnação.
Taxa de desemprego
Em relação à taxa de desemprego na Itália, o país europeu detém um dos mais altos índices na Europa.
Só para se ter uma ideia, em 2019, esse índice chegou a 10%, estando atrás de países como Espanha e Grécia, as três maiores vítimas da crise de 2008, junto à Irlanda.
Quem mais sofre com esse alto nível de desemprego são os jovens italianos, de idade entre 20 e 34 anos, cuja taxa média de desemprego chega a 20,5%, segundo os dados do ISTAT (o IBGE italiano). Dentre estes, o desemprego é maior entre as jovens italianas.
Em relação ao nível de escolaridade, as taxas são maiores entre pessoas com o Ensino fundamental I completo.
Setores mais atingidos pela crise do coronavírus
Comércio e turismo
Os setores mais atingidos são aqueles ligados ao “público”, como comércio e o turismo. As fronteiras ficarão fechadas até dezembro deste ano para os turistas russos, americanos e brasileiros. Essas três nacionalidades são importantes para a economia turística do país, que terá que contar com o público local, seja italiano, seja europeu.
Imobiliário
Quem vivia exclusivamente de renda, como aluguel, também teve o orçamento prejudicado. Em alguns casos, os aluguéis sofreram uma redução no preço. De comum acordo com os proprietários das casas alugadas, alguns italianos conseguiram obter uma redução no valor da locação, devido à impossibilidade de trabalhar.
Entretenimento
Outro setor gravemente prejudicado é o setor do entretenimento. Por se tratar de uma atividade laborativa no qual o contato interpessoal é necessário, teatro e cinemas foram e serão bastante prejudicados pela crise da Covid-19, já que ficaram fechados por quase 3 meses.
Para tentar driblar um pouco dessa crise, os cinemas e teatros estão organizando sessões e espetáculos ao ar livre durante o verão. Além disso, o governo italiano decidiu destinar verbas de emergência para atores e atrizes que ficaram sem emprego durante a emergência Covid-19.
Setores menos afetados pela crise do coronavírus
A grande indústria italiana é, certamente, a mais favorecida pelos decretos-leis e auxílios fiscais, ambos propiciados pelas medidas econômicas emergenciais do governo italiano. Tendo em vista os dois meses de quarentena e, logo, de fechamento parcial da indústria, a esperança do governo e expectativa da União Europeia é de que a economia volte a operar o mais rápido possível.
O setor do grande varejo também teve bons resultados durante a crise sanitária, principalmente os supermercados, os quais continuaram a funcionar normalmente durante a quarentena. Isso porque o governo garantiu, durante todo o período de lockdown, o pleno funcionamento dos supermercados e das farmácias, que por sua vez eram os dois únicos lugares abertos durante o mesmo período.
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Turismo como salvação da economia italiana
Outro fator para considerar é o investimento do governo no turismo, já que em junho deu-se início a alta temporada em terras itálicas. Apesar da grande crise, os primeiros sinais positivos chegaram com o fluxo de turistas do norte da Europa, que procuram destinos “Covid Free” na Itália.
Um dos destinos mais procurados é a região Úmbria, a qual foi uma das regiões menos atingidas pelo coronavírus no país. Entre os italianos, a região também está sendo meta dos turistas do norte da Itália.
Sabendo disso, o governo está buscando soluções para aquecer o mercado turístico local. Uma das soluções adotadas pelo Parlamento italiano foi disponibilizar cupons de cerca 150€ para quem viajar pelo país.
Outra iniciativa adotada por regiões e cidades italianas foi promover o próprio território na ótica e ética do “Slow Tourism”. A proposta é dar “folga” aos lugares cheios o ano todo, como Veneza e Florença, levando o turista a uma espécie de redescoberta de lugares novos ou conhecidos, numa perspectiva local, lenta, em respeito às cidades e ao espaço, aos pequenos comerciantes e produtores.
Os estrangeiros serão mais afetados do que os italianos?
Infelizmente, nessas situações, além da dificuldade econômica, muitos casos de xenofobia surgem. Os primeiros casos registrados de coronavírus no país causaram um grande impacto negativo na comunidade chinesa.
Por motivos xenófobos, chineses (ou italianos descendentes de chineses) começaram a ser atacados pelas ruas, simbolizando a grande ignorância das pessoas em relação a essa nova doença. Até mesmo restaurantes chineses foram depredados!
O governo italiano, através de alguns decretos-leis, destinou uma verba aos trabalhadores e trabalhadoras que ficaram sem emprego durante a emergência do coronavírus. Além disso, para tentar garantir o emprego das pessoas, o governo destinou uma espécie de seguro-desemprego que integrava 60% do salário nos meses de março, abril e maio.
Todas essas medidas foram pensadas para quem trabalhou até metade de março (a Itália entrou em lockdown oficial dia 9 de março, após o primeiro grande surto da doença no país) e foram destinadas aos trabalhadores devidamente registrados, independentemente da nacionalidade. Tais auxílios têm um duplo objetivo: ajudar as famílias e tentar girar um pouco a economia da Itália.
O impacto para os brasileiros na Itália durante a crise do coronavírus
O Itamaraty estima que o número de brasileiros residentes na Itália seja de cerca 80 mil. A maior parte deles se encontra no norte do país, mais especificamente na região da Lombardia. Foi nessa região onde o vírus teve rápida propagação, sendo também o epicentro da pandemia no país.
Muitos brasileiros que vivem ilegalmente no país ficaram sem receber salários, devido ao fechamento das empresas e, principalmente, do comércio. O trabalhador brasileiro, legalmente residente na Itália e que tenha ficado sem emprego, tem direito aos auxílios do governo. Por esses e outros motivos, não vale a pena arriscar morar ilegalmente na Europa.
Tais auxílios foram distribuídos com base na renda, comprovado por sua vez, pelo imposto de renda. Caso não tenha um contrato de trabalho e nem documentos que comprovem a “existência” legal enquanto trabalhador na Itália, o imigrante brasileiro não conseguirá comprovar para o governo o período trabalhado, o trabalho suspenso e, até mesmo, a renda familiar. Essa impossibilidade de comprovação levou à sua exclusão dos tais auxílios. Essa foi, certamente, uma das dificuldades enfrentadas por quem vive na Itália ilegalmente.
Em relação aos brasileiros regulares, na verdade, as dificuldades enfrentadas foram as mesmas enfrentadas por um italiano. Podemos elencar situações como perda do trabalho — ainda que a demissão fosse proibida durante toda a emergência do coronavírus, muitas pessoas foram demitidas durante o período de lockdown —, suspensão do trabalho e atrasos no pagamento do seguro-desemprego e auxílios governamentais, e outras problemáticas que nada tem a ver com a nacionalidade em si do trabalhador.
Brasileiros voltaram ao Brasil durante a pandemia?
Muitos brasileiros residentes temporariamente na Itália, principalmente os estudantes, decidiram voltar para o Brasil. Primeiramente, porque não se sentiram seguros no país durante a primeira leva da doença, cuja mortalidade diária era de 2 mil pessoas em média.
Em segundo lugar, porque muitos se encontravam sozinhos no país e relataram grande dificuldade em enfrentar o isolamento sem o apoio familiar. Em último lugar, porque a Itália permitia o embarque de cidadãos não italianos ou não residentes no país.
Apesar dos números alarmantes, o governo brasileiro não viu como prioridade a repatriação de brasileiros que se encontravam temporariamente (por mais de três meses até 1 ano) na Itália, durante os primeiros casos de coronavírus no país. Alguns brasileiros voltaram ao Brasil por conta própria, assustados com o que estava por vir.
Consequências da crise do coronavírus
A economia da Itália no pós-coronavírus voltou muito lentamente à ativa. O país viu suas lojas, bares e restaurantes abrirem os batentes somente no final de maio.
Com a queda do número de clientes, a receita dessas atividades também caiu. Isso ocorreu devido a dois motivos principais. Existem leis que proíbem a aglomeração na área interna de restaurantes e bares, o que fez com que os restaurantes diminuíssem o número de mesas. As lojas têm que controlar o número de pessoas que entram em suas dependências. Tudo isso para evitar a transmissão do vírus entre os clientes.
O outro motivo reflete queda da renda per capita, motivada pelos meses não trabalhados. Muitas famílias preferem não jantar em restaurantes.
Em grandes cidades, como Roma e Milão, o número de pessoas em situação de vulnerabilidade e de rua cresceu razoavelmente. Inclusive, durante a crise da Covid-19, essa população foi muito afetada, sendo bastante negligenciada: a emergência sanitária por aqui começou no inverno e muitos centros de acolhimento foram desativados pelas prefeituras, para evitar o contágio da Covid-19 entre os usuários.
Sem dúvida, os refugiados também foram prejudicados pela emergência da Covid-19. Os centros de acolhimento e ajuda ao refugiado ficou fechado pelo mesmo motivo citado no parágrafo anterior.
A vida e economia da Itália no pós-crise do coronavírus
A vida na Itália no pós-emergência do coronavírus é bastante peculiar e as regras dependem de onde você mora. A Úmbria, região onde moro, como dito anteriormente, foi uma das regiões menos afetadas pela infecção. Foram quase 2 mil casos, dos quais 80 resultaram em morte. Algumas cidades da região exigem a máscara o tempo todo, em outras cidades, a proteção é obrigatória somente no interior das lojas.
Obviamente, o número de habitantes das cidades umbras é menor que aqueles de cidades como Milão e Roma. Esse fator pode ter ajudado a diminuir a transmissão do vírus entre as pessoas. Além do mais, a Úmbria é uma zona apartada, diferentemente da Lombardia. É uma região imersa no verde, por mais que esteja próxima a regiões como a Toscana (cuja capital é Florença) e Lácio (onde se encontra a capital italiana). Não por acaso é uma região conhecida como “o coração verde da Itália”.
O primeiro dia de “liberdade” pós-crise do coronavírus foi particularmente diferente e difícil. Sair com os amigos acabou virando uma verdadeira epopeia. Coloca a máscara, tira a máscara. O controle do distanciamento é feito pela Polizia di Stato, Carabinieri, Guardia di Finanza, Polícia Municipal, voluntários da Defesa Civil local (sim, todos juntos!).
Ainda não podemos cumprimentar as pessoas com aperto de mão, beijos e abraços. Compartilhar copos e talheres também não é recomendado. Para poder jantar em um restaurante, você precisa assinar um documento, no qual declara não estar com sintomas de Covid-19 e estar ciente da pena e da multa, caso mentir. As universidades continuam fechadas e as apresentações de TCC, defesa de Mestrado e Doutorado estão sendo online.
Talvez, enquanto não existir uma vacina, este seja o “novo normal”.